quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Nutrientes para a máquina

Quando pensamos em interatividade o que primeiro nos vem à mente é o alto grau de participação que podemos alcançar, sobretudo, nos nós interconectados das redes, que nos propiciam trocas simbólicas de opiniões, ideias e ações dentro das multipotencialidades dos códigos de comunicação. Porém, com o desenvolvimento da alta tecnologia, a noção de interatividade tem sido uma experiência mais diversificada do que simplesmente exercer algum tipo de troca e influência.

Janet Murray, professora da escola de literatura, mídia e comunicação do Instituto de Tecnologia da Geórgia, compara as potencialidades de interação das novas mídias associando ao caráter hiper-real que os parques de diversão podem apresentar e metaforiza: “Para os espectadores, a diferença entre as experiências fronteiriças da mídia tradicional e aquelas realizadas hoje pelos artistas no mundo digital é que, desta vez, nós também fomos convidados para entrar na boca do dinossauro”. Esse “dinossauro” pode ser tanto o do parque, que agora podemos entrar e conhecer um dinossauro de verdade e também a própria grande mídia, com sua pluralidade gigantesca e monstruosa, que muitas vezes parece nos comer monstruosamente. Já que fomos engolidos pelo “bicho”, por que não fazer parte de sua própria natureza energética? A interação na alta tecnologia nos tira do cerco limitado de “exercer influência em” e amplia nossas ações para agora podermos “fazer parte de”. Agora que fomos engolidos, somos alimentos cruciais do sistema e nossas ações geram energia para que a máquina funcione: em outras palavras somos parte integrada e integrante dos meios e a nossa potencialidade enquanto componentes nutricionais é justamente compor e participar desse organismo.

Agora, narrativas não tem mais sentido sem nossa participação, pois elas só serão construídas com nossas ações, games online não funcionam mais sozinhos e até aquela notícia poderia ser mais bem nutrida com nosso “pitaco” (mesmo que nosso “pitaco” não seja lá assim tão saudável e gere um certo mal-estar pro sistema) e assim acontece a interatividade hoje. Ela pode estar tanto associada às inúmeras conexões e nutrições cerebrais que podem expandir dentro da mente o potencial daquela mensagem-imagem-narrativa para além e seu espaço-comum (e isso engloba diversas formas de arte como o teatro e a pintura, como exemplifica Manovich em Language of New Media) e também como uma relação digital entre corpo e máquina que resulta em “toda a experiência como obra de arte a ser construída”, como propõe José Bragança em Da Interatividade Crítica da Nova Mimeses Tecnológica. Bons exemplos dessa interatividade (tanto no sentido de trocas energéticas cerebrais, quanto a construção da obra a partir de uma ação sobre o sistema) temos o videoclipe de Bob Dylan e da banda canadense Arcade Fire, que precisam de nossa ação cerebral e gestual para se construir – elas não funcionariam sem a interatividade. No videoclipe do Bob Dylan, construímos as imagens a partir de um híbrido entre televisão e internet: detemos em nossas mãos a interatividade manual do “poder” do controle remoto de mudar o canal na hora que quisermos e cada canal são projeções de imagens diferentes a configurar o mesmo clipe. Nesse sentido, cada experiência será única e singular, pois as pessoas mudariam de canal em horas diferentes e isso geraria uma interatividade de diferentes clipes para cada tipo de “telespectador”. No caso do clipe da Arcade Fire, digitamos um local sobre nossa infância e as imagens são construídas de acordo com a busca sobre aquele destino no Google Earth. A experiência de vermos nosso local ali no meio daquela música traz um tom de nostalgia que também vai resultar em diferentes concepções e clipes que variam de pessoa pra pessoa, de acordo com o destino que ela buscou – dessa forma, nenhum clipe será igual ao outro e a construção do mesmo acontece com o repertório cultural de cada molécula atuante sobre o sistema.


A interatividade existe em ambos os casos como experiências individuais que variam de pessoa pra pessoa e um sistema que só funciona como nosso poder a ação energética sobre o clipe. Assim, somos alocados mais uma vez em nossa função existencial e alimentar no “cíbrido” da cadeia tecnológica da interatividade: servir de nutrientes para a máquina.     

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