quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Com a proliferação do digital, da comunicação em rede e do agenciamento interativo, a questão da técnica apresenta-se novamente vigorosa ao campo de discussões sócio-tecnológicas. Nesse cenário, ultrapassado pelo niilismo moderno e pela disponibilidade, desfragmentação e aceleração (presentes, por exemplo, nos movimentos artísticos de vanguarda), talvez seja relevante pensar nas ideias de Heidegger e na sua relação com o contemporâneo.

É comum – talvez por tradição teórica – tomar a comunicação em sua dependência das posições de sujeitos e objetos, e com isso no seu potencial de manipulação com fins ao consumo, alienação ou influências. Ideia que se apresenta próxima do conceito de bestand, de Heidegger, relacionado mais com a potência que com a essência que possa advir da técnica. Trata-se de um aproveitamento condicionado da energia, de uma manejo, uma exploração, um uso instrumental.

Um exemplo hoje pode ser denotado no potencial participativo das pessoas junto aos aparatos tecnológicos. Muitas correntes teóricas trabalham com a ideia de produção e consumo, fruto principalmente da web e das possibilidades de interatividade. O que seria essa tal produção? O uso potência para uma atividade de criação? O manipular das possibilidades disponíveis? Uma ordenação das energias de reserva (bestand)? Uma exploração técnica programada de modelos dados?

É obvio que as atuais tecnologias abrem espaço para todas essas possibilidades, mas seria reducionista pensar que a sua essência termina por aí. Heidegger propôs que a técnica moderna abre possibilidades para além das determinações tecnológicas; que na sua essência – “que não é nada de técnico” – pode-se desvelar o caráter da tecnologia como poiesis, e não somente como instrumentalidade.

Muitos são os que operam as energias de reserva superficialmente disponível – e isso torna-se cada vez mais agudo. Mas será que são muitos também os que a operam essa energia para ampliar as possibilidades, de maneira mais profunda, subvertendo esse superficialmente dado?

Trata-se aqui de pensar, então, na possibilidade de operar de maneira a deslocar os enquadramentos. Trata-se de pensar em Gestell, no movimento que impulsiona o ser na revelação de um “real”, e em arte, a partir de sua origem grega (téchne), não ligada apenas a um prazer estético, nem a uma atividade cultural, mas a um conhecimento que provoca abertura e descobrimento.


O aproveitamento das possibilidades técnicas contemporâneas seria mais vigoroso se ao invés de utilitarismos, as ações fossem “atos poéticos”, fossem arte; operassem a subversão e o deslocamento para fora dos enquadramentos (ou pelo menos, para o transito entre outros enquadramentos possíveis). E no seu modo de operar a tecnologia, suas aberturas e potencialidades, pudessem explicitar capacidades da nossa própria espécie, desconstruir conceitos histórico e socialmente construídos a que estamos apegados e revelar novas possibilidades, proporcionando estranhamentos, choques, incômodos, dúvidas etc, capazes de produzir deslocamentos, produções de novas metáforas e de progressivas questões

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