quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Benjamin e o Século XXI: como o conceito de autoria evanesce diante das mídias digitais


O ensaio "O autor como produtor", de Walter Benjamin (1934) traz importantes considerações sobre o debate de autoria e produção, que ainda podem repercutir nos tempos atuais. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que Benjamin era marxista e que sua concepção tanto de autoria como relacionado ao produtor são reflexos de seus ideais.

Ele trata, com a mesma dicotomia burguesia x proletariado, a relação entre autor x produtor. Enquanto o primeiro representa uma lógica burguesa, na qual é apresentada uma obra para fins de consumo, sem um posicionamento crítico acerca da política e da sociedade (pois para que o status desta classe se mantenha, esta não pode ser questionada), o produtor possui domínio da técnica e utiliza este conhecimento como forma de se engajar de forma crítica contra os meios de produção e o status quo. Assim, o produtor atua, de certa forma, como "produtor de mudanças sociais"; enquanto o autor exerce um papel de certa forma narcisista, no qual figura a importância de seu nome em relação a obra, e não o contrário. 

É fácil perceber esta dicotomia, que subverteu até mesmo autores e obras que antecederam a ascensão da burguesia (e muitas delas até mesmo obras que foram críticas da sociedade a qual o autor vivia): a importância maior não é "Romeu e Julieta", e sim uma obra de Shakespeare. Esta lógica permanece até os dias atuais e implica diretamente em dilemas como a questão dos Direitos Autorais, como vamos explorar posteriormente.

Para o produtor, a ideia prevalece em relação a autoria. E talvez esta característica perpasse até os dias atuais mais do que uma intervenção política direta por parte do produtor.

Há sim a presença inquestionável de produtores de obras culturais, artísticas e de conteúdos diversos que vão tratar da intervenção política direta, pragmática, que promova uma inquietação na forma de poder a qual pretende desestabilizar. Mas até mesmo ações mais simples, como uma produção colaborativa de uma história no ambiente digital, na qual a questão da autoria se dilui completamente, importando o resultado final desta composição, são ações políticas, mesmo que os participantes não reflitam sobre isso.

Quando se questiona a autoria, os direitos autorais, os direitos de imagem, está questionando uma lógica capitalista na qual a produção é mercadoria. Um exemplo claro recente foi o processo movido por Chico Buarque contra um shopping por uso indevido de imagem, quando ele fez apenas o mesmo movimento que milhões de internautas fazem todos os dias: criaram um meme em cima da capa do primeiro disco do músico. Provavelmente poucos usuários sabem que estão fazendo um ato de subversão quando criam um meme com esta imagem. Mas estão. Está sendo questionado ali o uso de uma imagem, com direitos autorais, em prol de uma produção que não está diretamente relacionada com política.

A Internet se tornou um meio propício para colocar definitivamente um ponto final na questão da autoria. No momento que se torna possível que qualquer pessoa possa produzir um conteúdo a partir de outro já criado, ou uma produção realmente colaborativa, a autoria se torna frágil: como controlar todos os usuários que subvertem qualquer conteúdo um dia criado por Chico Buarque, desde suas capas de disco, fotos, download de suas músicas e livros, entre outros? E até que ponto isto é realmente lógico na sociedade das mídias digitais?

Por isto, cada vez que é colocado em xeque a questão da autoria, o usuário não sabe que está atuando como produtor, da forma que Benjamin estabeleceu. Não que isto não fosse possível antes - as paródias de Duchamp do quadro da Mona Lisa são um exemplo claro disto. Mas os meios digitais puderam tornar acessível este tipo de postura por qualquer usuário. Assim, direta ou indiretamente, este tipo de mídia propiciou uma postura de produtor por parte do usuário. A falha está em ele não ter consciência da sua ação política. E nisto é preciso que outros produtores conscientes possam exercer suas produções a fim de levar este conhecimento aos demais usuários dos meios digitais.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A polêmica sobre o conceito de interatividade



Na academia, qualquer tipo de conceituação acaba gerando algum tipo de conflito. Isto acontece porque todo conceito parte de um ponto de vista, um pressuposto, e há diversas óticas operando em cima de um mesmo objeto (aquele que está sendo conceituado por pesquisadores e intelectuais da área).

O conceito de interatividade, que ficou em voga com o despontar da Internet, é um exemplo deste conflito acadêmico. Isto porque interatividade é concebido por alguns pesquisadores como a mudança de sentido que intervém no sentido original da obra. Assim, quando um leitor lê um livro e subtrai dele um certo entendimento que pode não ter sido o planejado pelo autor, ele estaria interagindo com a obra e, portanto, aplicando a interatividade. A produção de sentido seria feita na mente do interpretador, E esta acepção mostra que a interatividade não é um elemento que surge com os meios digitais - este apenas a potencializa.

Em contrapartida, outro conceito de interatividade parte do pressuposto de que o usuário possa intervir diretamente no objeto com o qual está interagindo, modificando sua estrutura, agindo de forma ativa. Atribuindo este conceito, encaixaria aqui as ações em jogos online e videogames, onde você pode optar por diferentes caminhos e cada um leva a um resultado diferente. Porém, as consequências de cada escolha já são pré-programadas - o usuário só tem que definir qual caminho irá seguir, mas o resultado delas não pode ser modificado.

Há ainda outros críticos que consideram que nenhum dos exemplos anteriormente citados seriam interatividade realmente, pelo fato de que o usuário não pode ter domínio dos resultados de suas escolhas, apenas seguindo um programa pré-estabelecido. Para estes, a interatividade só existe quando o usuário possui domínio sobre suas ações e os resultados destes. Um exemplo deste ponto de vista são as histórias criadas colaborativamente. O responsável pelo projeto começa dando as diretrizes iniciais, e posteriormente os usuários dão a continuação, com total liberdade para seguir o caminho que desejarem, deixando para o próximo continuar também da forma que quiser.

Ao invés de colocar as três concepções em choque, como se elas se contradissessem, podemos reuni-las, como se as três fossem categorias diferentes da concepção de "interatividade". O primeiro caso se trata de Interatividade Reativa: a pessoa não pode modificar o objeto diretamente, podendo apenas reagir a ele, modificando o sentido ao qual o objeto se propôs.

O segundo conceito seria uma Interatividade Ativa Parcial: o sujeito consegue agir efetivamente sobre o objeto com o qual interage, mas não consegue modificá-lo por completo. Não possui domínio sobre as consequências de sua interação. Este seria o caso do clipe de Bob Dylan para a música Like a Rolling Stones e do projeto The Wilderness Downtown.

Já a terceira concepção se trataria de uma Interatividade Ativa Total: o sujeito consegue modificar o objeto, ajudando-o a ser construído ou determinando suas modificações. Outro bom exemplo disso é a Wikipedia, na qual o usuário colabora ativamente com o conteúdo, sendo a sua participação o resultado final. A intervenção feita ali é apenas para fins de correção, até que outro usuário interaja com este verbete.

Unindo essas três concepções, é possível enriquecer a concepção acadêmica de interatividade, sem descartar qualquer uma das acepções, que possuem sim seus pontos verdadeiros e relevância para o campo comunicacional.