sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Política e Internet

Acho importante primeiro situar o que Benjamin quer dizer com o "autor como produtor". A leitura do texto do filósofo, escrito no ano de 1934, mostra que uma de suas principais preocupações é refletir sobre a condição do autor - que ele trabalha também a partir de rubricas como o "escritor" e o "intelectual" - no interior da problemática que opõe o capitalismo e o socialismo - que ele pensa também a partir da dicotomia burgueses x proletariado. Ele se coloca abertamente quando, ao citar Brecht, diz que a "exigência fundamental" para o intelectual é "não abastecer o aparelho de produção, sem o modificar, na medida do possível, num sentido socialista" (p. 127).

Para Benjamin, se o autor quiser de fato superar a condição de mero repetidor das tendências burguesas (preso aos gêneros separados, afeito apenas a uma espécie de "fruição inerte e sem causa" e escravo de uma técnica que só existe em função da manutenção do controle dos meios pela burguesia), é preciso que ele passe a dominar a técnica, submetendo-a ao trabalho intelectual (que seria, para ele, como já colocamos, o de modificar o aparelho de produção na direção do socialismo). 'Dominar a técnica' significa, para Benjamin, saber manejar as funcionalidades do jornal, que passou a ser um dos pilares de propagação de ideias da burguesia.

Além disso, Benjamin coloca que para ele a "política correta" caminha em consonância com o "ponto de vista literário correto". "Correto" leia-se, novamente vale frisar, "em direção ao socialismo". O que significa que sem o domínio da técnica não há postura politicamente progressista.

"O autor como produtor" de Benjamin seria, então, aquele que supera a postura de relator ou espectador passivo e parte para uma postura de combate e participação ativa, no interior da produção e no manejo da técnica (p. 123).

E então passamos para a segunda questão: Os meios digitais estão transformando os espectadores em participantes também do ponto de vista político? Para responder a essa questão, precisamos situar o que entendemos como "política". A palavra vem do grego e carrega o sentido duplo de significar tanto aquilo que se refere aos "cidadãos" quanto à organização das "cidades-Estado". Importante colocar isso porque nos remete ao grande debate do mundo contemporâneo, qual seja, o de até que ponto o sistema representativo institucional dos poderes legislativo e executivo traduz de fato o que é a palavra "política".

Muitos autores têm pensado a questão.Giorgio Agamben, Jacques Rancière e MD Magno, dentre outros. Todos chamando a atenção, cada um à sua maneira, para o fato de que a política não se resume às instâncias representativas tradicionais. A prova disso pode ser verificada nas diversas manifestações de rua que ocorreram nos últimos anos. Entretanto, apesar de procedente, situar a questão a partir dessas passeatas pode ser perigoso, porque pode dar a entender que elas seriam a grande novidade no que se refere à política como algo mais que os partidos políticos. E nos parece que há mais que isso.

No fundo, sempre houve uma política do cotidiano, uma política do desejo, uma política da arte, enfim, uma política que funciona para além dos partidos políticos e das instituições tradicionais. Ser "cidadão" sempre foi mais que apenas votar ou fazer parte de um sindicato. Além disso, devemos inclusive pensar até que ponto a própria palavra "cidadão" não acaba levando a pensar a questão de uma forma segmentada. Os estudos recentes na área de teoria da arquitetura, por exemplo, já trabalham com noções articuladas de "cidade" e "pessoa" (ver sobre isso, por exemplo, o trabalho de Rosane Araújo, "A cidade sou eu"), assim como com ideias como a de "habitar a mobilidade", do filósofo francês Hervé Regnaud, que coloca em questão a noção clássica de "lugar" a partir das mudanças trazidas pelo cenário dito "globalizado" (e que certamente pode ser estendida ao campo dos meios digitais). O cidadão de hoje não apenas vota, mas exercita sua cidadania ao navegar na rede; não apenas se inscreve na lógica de salários e rendimentos do capitalismo, mas modifica a cidade no que escolhe certos roteiros de diversão e fruição artística; enfim, não apenas colabora (ou não) com a vida em sociedade, de uma forma ou de outra, mas também com o seu desejo - o que muitas vezes se articula de forma inevitável com a vida em sociedade. Fundamentalmente, temos o poder substantivo, dos presidentes, generais e reis, mas temos, também, como coloca MD Magno, o poder como verbo, o poder de cada um (ou de cada formação). A política é, assim sendo, um jogo de incessantes confrontos e interconexões entre esses dois tipos de poderes.

Parte fundamental desse jogo é jogada nos meios digitais. As chamadas "redes sociais", por exemplo, não são apenas redes de relacionamento privado, mas também verdadeiras arenas de confrontos políticos, de ideias das mais variadas procedências e nuances. A ponto de alguns analistas defenderem, por exemplo, que, sem a internet, Dilma Rousseff não teria vencido a eleição no Brasil, diante do fato de que as redes sociais serviram para contrapor a série de denuncismo vazio que geralmente ocorre nas épocas eleitorais na chamada "grande imprensa", em favor do PSDB. Além disso, vale colocar ainda que a internet é uma formação política por essência, na medida em que acolhe toda e qualquer manifestação, das mais banais às mais sofisticadas, das mais ingênuas às mais escabrosas. E aí entra uma reflexão que acho válida em cima do texto de Benjamin.

Em certo momento, quando coloca a questão da fotografia - dentro do contexto da relação entre ténica e política, a partir de sua perspectiva -, Benjamin traz o exemplo da legenda.  E diz que "temos que exigir dos fotógrafos a capacidade de colocar em suas imagens legendas explicativas que as liberem da moda e lhes confiram um valor de uso revolucionário" (p. 129). E condiciona isso ao fato de que os autores precisam aprender a fotografar, para que seja superada a fronteira técnica que separa a escrita da imagem.

Benjamin alertava para um ponto que é fundamental e que serve ainda mais no mundo contemporâneo: não existe imagem sem escrita e escrita sem imagens. E os meios digitais, como sabemos, levam essa realidade a patamares ainda mais amplos. Porém, no meu entendimento, o grande problema com a abordagem benjaminiana é justamente o fato de que, para ele, a função da legenda estaria em seu caráter "explicativo" em relação à foto. Benjamin parte de uma separação rígida entre "diversão passiva" de um lado e "participação ativa" de outro, para propor que o autor só é produtor quando gera algum tipo de intervenção explicativa que desloca o espectador de sua posição "burguesa", ou seja, de fruição inerte - e desconectada da percepção das "relações de produção" (no sentido marxista da expressão). Faz sentido diante da perspectiva socialista do autor, mas não parece caber no campo das mídias digitais.

Por outro lado, seria também apressado conferir às mídias digitais um potencial "participativo" intrínseco. Elas estão inseridas nos mesmos jogos de força que sempre permearam as relações políticas, desde os gregos: grupos (ou formações) mais poderosos(as) versus grupos (ou formações) menos poderosos(as), em constante guerrilha, em várias frentes de batalha. Há, portanto, de fato, grupos mais "passivos" e outros mais "ativos". A questão é que essas batalhas nunca foram absolutamente verticais, em nenhuma época. As formações mais poderosas sempre contaram com a aquiescência - e o fermento - das menos poderosas para manterem seu poder. E, em certo sentido, as formações menos poderosas sempre vislumbraram algum tipo de poder a mais nesse exercício de aquiescência. O referente de Benjamin, que é básica e tipicamente marxista, não permite enxergar esse ponto, porque parte de uma divisão rígida entre "burgueses" de um lado e "proletariado" de outro. E a rede - inclusive naquilo que ela constrói de interseção com as ruas - não funciona a partir desse referente.

Portanto, qual seria a resposta diante da pergunta que questiona se os meios digitais estão transformando os espectadores em participantes também do ponto de vista político? Acho que primeiro precisamos refletir se, diante da lógica política da rede, podemos mesmo trabalhar com a ideia de "espectadores". Se a política é a ampliação dos poderes-enquanto-verbos, e se a internet é acolhedora da diversidade desses poderes, então ela é política em sua essência. Não no sentido socialista que Benjamin prezava; mas sim no sentido da criação de várias possibilidades de interseção entre os poderes e entre as linguagens. Inclusive, por exemplo, a possibilidade da escolha de uma aparente "passividade" que entretanto "ativa" outras frentes - o que coloca em cena a lógica da "razão cínica" trazida por outro alemão, o também filósofo Peter Sloterdijk, e que é uma das facetas do mundo atual.

Talvez isso sirva inclusive pra repensar a separação rígida que existe entre socialismo e capitalismo. A internet possui uma estrutura de funcionamento que parece ser socialista e capitalista ao mesmo tempo. "Socialista" na medida em que coloca as diferenças em contato através de um meio comum; e "capitalista" no sentido de que estabelece esse contato a partir de uma lógica de trocas e re-valorações que acaba sendo um inesgotável "mercado de ideias" - inclusive no sentido financeiro. Essa talvez seja a grande política dos meios digitais. Política que cabe bem no conceito de revirão, de MD Magno.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Considerando as especificidades dos pontos de vista dos dois autores discutidos, Crary e Rheingold, escreva uma reflexão sobre os mecanismos de atenção na sociedade moderna e contemporânea.