quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A obra de arte total e seu código

Bob Dylan lançou o clipe de Like a Rolling Stone, em 2013, com um detalhe mais importante do que a música: a interatividade entre o clipe e o espectador. Obviamente, a música em si não é o evento, mas o fato de que o artista decidiu, ainda em vida, ser trazido de volta recontextualizado (#vqc). Ao que tudo indica, colou.

"How does it feel?" Nos vários canais do clipe, a voz de Bob Dylan está sincronizada com as cenas mais inesperadas.



Essa regorgitação, para uns, é a prova da impossibilidade de a arte ainda conseguir ser criativa, uma vez que passou a fazer parte de um certo "buraco negro", ou "interfaces", que irremediavelmente traga produtores e consumidores - a abertura do sistema acaba por incluir tudo no sistema. Como José Bragança de Miranda traz para o debate em "Da Interactividade. Crítica da Nova Mimeses Tecnológica", se não há mais novidade que resista à interatividade, o que resta de artístico é o diálogo entre programa e usuário. O clipe mencionado acima é um exemplo desse diálogo, assim como o website www.thewildernessdowntown.com, desenvolvido como clipe da música We Used To Wait, da banda canadense Arcade Fire. No site, é solicitado ao internauta a cidade na qual ele(a) cresceu. Em seguida, quando a música começa a tocar, a narrativa imagética começa a ser construída com imagens do Google Earth da cidade do input.

A arte nunca foi excludente, por mais que invocasse apenas a participação exterior e não a interação (modificação do objeto artístico pelo espectador), mas desde o dadaísmo andava em crise existencial. O pós-modernismo deixou isso de lado e percebeu que é no input em tempo real que se encontra a grande sacada da arte. Em suma, o que importa é: o que é possível fazer com o mínimo de programação e o máximo de aleatoriedade? Essa dinâmica, a do tempo real com experiência pessoal, é que concede uma aura inédita aos velhos hits: no clipe de Dylan, somos nós que escolhemos quais imagens devem ser sincronizadas com a música, numa troca de canais que pode ter "n" combinações.

Ainda assim, fica a pergunta: se a interatividade é a promessa da única renovação possível da arte, não estará ela sempre limitada ao código? Sim. Mas o que não é limitado por um certo "código"? Pegamos como um exemplo extremo o universo. A aleatoriedade com que a matéria se organizou depois do Big Bang é apenas aparente. Por que o mundo se organizou a partr do caos? Por que as coisas exercem funções, se agrupam, criam organismos, sobrevivem e evoluem? Não estamos todos "condenados" a certos códigos? Por que com a arte seria diferente, do seu surgimento aos dias atuais?
A interatividade total

Miranda diz que o ciberespaço proporciona o deslocamento mental do tempo e do espaço, mas isso é só o começo. Estaríamos caminhando para a utilização da última interface: o cérebro que será capaz de criar uma realidade realmente interativa. Para os programadores, nada que um chip não resolva. Para os físicos quânticos, a interatividade is out there in space (universos paralelos existem, cabe ao nosso cérebro/mente evoluir para acessá-los). Para Hollywood, a interatividade total está em altas quantidades de uma droga poderosíssima (Lucy que o diga).

Atualmente, só faz sentido falar em arte quando a obra traz consigo um rompimento de limites. A arte é a tecnologia, a capacidade do ser humano de surpreeender. No caso da interatividade, esta tem que ser impurificada para poder ter valor estético. Enquanto não alcançamos a interatividade perfeita, a máquina sem interfaces, o importante, e o artístico, é não esgotar o programa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário