Não é difícil perceber essa manifestação coletiva no mundo. Quantos são os que operam a reserva de energia de maneira a expandi-la, ou mesmo para transformá-la em algo que empodere o sujeito, e não apenas remodele infinitamente o objeto? Não são por acaso os esforços da literacia midática, que apesar de ser tema / disciplina relativamente recente, já fora introduzida por Herbert Marshall McLuhan em apenas um aforismo: Mind your media, man!
Mas talvez a questão mais urgente, já colocada em debate por este blog, seja o papel da arte em deslocar a orientação do desenvolvimento tecnológico de um processo de Gestell (enquadramento) para torná-la ferramenta genuinamente pós-moderna.
Em "The Question Concerning Technology", de 1954, Martin Heidegger define Gestell como uma força vital, invisível, que impulsiona o ser humano a revelar o "real", a "verdade". Heidegger também se refere à arte (poiesis) como um momento de êxtase, quando algo deixa de ser aquilo que à primeira vista se experiencia. Para Heidegger, Gestell interrompe essa transformação quando a tecnologia, ao invés de trazer o sujeito para o "aqui e agora", se transforma em utilitarismo.
Essa implosão da potência tecnológica pode ser encontrada na estética, sendo a imagem a tradução mais fiel de seus propósitos. No jornalismo, a imagem é o enquadramento da realidade em pequenas capturas "fidedignas" ao terror ou ao prazer. No cinema, tal como ainda o experimentamos, a imagem é Gestell das possibilidades narrativas. Segundo Heidegger, a experiência estética é a morte da arte à medida que a estética canaliza a energia do sistema em que opera para um determinado fim, ou objetivo: aquele do manipulador.
Pair of Shoes (1886), de Vincent Van Gogh. |
O significado da obra deve, antes, ser realizado em nosso próprio envolvimento com o trabalho, em uma negociação pela qual "desvendamos" o sentido do mundo. Para uma melhor compreensão deste enunciado, vale conferir os escritos de Heidegger sobre a pintura "Os sapatos", de Vincent Van Gogh. Para o download do arquivo, clique na imagem acima.
Voltando à questão de origem deste post, a arte é a única ferramenta capaz de desenquadrar o mundo, pois somente ela pode desvendá-lo constantentemente. O papel do artista é proporcionar insights. Segundo Heidegger, todos os grandes criadores devem ser capazes de discernir os contornos incipientes e inéditos de algo, ajudar a desenhá-lo para a luz do mundo, e assim criar ou renovar a herança ontológica da humanidade para o futuro. Como isso sugere, no cerne da compreensão de Heidegger sobre a arte está um encontro com um "nada" que simplesmente não é o nada, mas, ao contrário, designa possíveis significados ainda escondidos dentro da tradição.
Por outro lado, se ao artista cabe esse papel, ao homem "comum" cabem duas opções: ou se tornar artista ou ser meramente ordenador (tal como no idioma espanhol para a palavra "computador") de energia. Se Heidegger não viveu o suficiente para perceber o potencial da tecnlogia como uma facilitadora transcendental, o artista do nosso tempo deve constatar que a sua tarefa é maior do que a sugerida por Heidegger. Além de desvendar o mundo, deve desvendar ao mesmo tempo a pequenez e a grandiosidade do homem frente aos aparatos. Esse é o sublime tecnológico, que por sua vez é tema de uma outra conversa.
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