terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Multitasking: mitos e mecanismos de controle

Multitasking. Esta parece ser a palavra-chave deste início de Século XXI. Estar em um lugar e exercer apenas uma tarefa, ter atenção para apenas um fato parece ser algo ultrapassado, nonsense, totalmente fora da realidade. Se a Internet já nos aproxima de toda e qualquer informação, principalmente com a possibilidade dada pelo Google com seu modelo de pesquisa, os aparelhos móveis potencializaram a exigência desta nova qualidade.

Porém, como o autor Rheingold ressalta no primeiro capítulo de seu livro Net Smart - How to Thrive Online, é muito improvável que um ser humano consiga realmente dedicar exatamente a mesma atenção para dois focos completamente distintos. O autor cita diversas pesquisas realizadas por neurocientistas e outros profissionais da saúde que constatam os resultados que ele mesmo havia notado entre seus alunos na sala de aula. Ele inclusive dá conselhos, os quais o próprio autor testou, para conseguir controlar as distrações tentadoras do mundo contemporâneo para que possa ter controle sobre sua atenção. Voltaremos a isto posteriormente.

Mas, se a atenção não pode ser múltipla, o que então nos dá a sensação de sermos multitasking?
Ilustração do livro Net Smart: How to Thrive Online,
e que mostra a necessidade de se" estar atento a estar atento".

Na verdade, nossa atenção é fragmentada. Ao desviar os olhos de um interlocutor para a tela do seu tablet, há uma perda significativa da atenção dada ao amigo, professor, colega, chefe a sua frente para o conteúdo que está ali. E isto nos dá a falsa sensação de que estamos realmente fazendo duas coisas ao mesmo tempo. Porém, não são todas as pessoas que se sentem confortáveis com esta falsa sensação: não é a toa que o uso indiscriminado de medicamentos para tratamento de TDAH aumentou drasticamente nos últimos anos. Iludidos por um discurso de que pessoas normais conseguem se concentrar perfeitamente em algo e não ter a sua atenção desviada por outras coisas faz com que estudantes, concurseiros, pesquisadores, entre outras pessoas que de alguma forma exercem trabalhos intelectuais acabem se rendendo ao uso de Ritalina, por exemplo.

Como todo discurso, há por trás dele intenções que podem estar nítidas ou não para a maioria das pessoas. Neste caso, que parece que não, é preciso ficar atento, principalmente pesquisadores, para as reais razões de se alimentar que é necessário ser alguém capaz de dar múltipla atenção a diferentes estímulos ambientais (música, filme, telefone tocando, mensagens no Whatsapp, olhar a lista de e-mails, ver atualizações do Facebook, e por aí afora).

Atenção como forma de controle e disciplina

Crary, no primeiro capítulo do livro Suspensões da Percepção trata também sobre atenção. O autor também afirma que as percepções se modificam com as novas tecnologias - afinal, são novos tipos de signos que entram em contato com a mente interpretadora, que anseia por eles, por serem instigantes, diferentes, atraentes. A partir deste novo paradigma tecnológico, perde-se o domínio da visão como forma de comprovar a percepção sensorial: agora ver, ouvir, cheirar, sentir, tocar, enfim, todo estímulo aos sentidos é uma prova da existência do objeto.

Posteriormente ele irá trazer Foucault e a sociedade disciplinar, afirmando que ela também é uma forma de disciplinar a sociedade. Mais do que isso, a atenção é um instrumento não só de controle, mas também de vigilância do ser humano.

Quem possui domínio sobre a atenção de determinado ser, consegue exercer controle sobre sua forma até mesmo de apreender a percepção. Um exemplo simples: se uma plataforma como o Facebook atrai mais atenção do usuário do que qualquer outra rede social ou outra tarefa que pode ser realizada no ambiente virtual, ele consegue prender aquele usuário em seus protocolos (que muitas vezes operam justamente como mecanismos de controle sobre o que o usuário pode e não pode fazer, por trás de uma falsa sensação de liberdade na rede). 

A partir deste controle, que molda as ações dos seres na rede, quanto mais tempo ele destinar a dar atenção para determinada plataforma e não outra, mais informações ele poderá dar para os instrumentos de vigilância. Outro exemplo simples: um usuário que passe 20 minutos no Facebook sem interrupção tem mais chances de encontrar conteúdos que lhe agrade, páginas para curtir, fotos para compartilhar, comentários sobre suas visões de mundo e, consequentemente, repassando informações não só para as agências de marketing, mas também para setores governamentais. Ou seja, a disputa pela atenção é imprescindível neste contexto.

E, por isso a valorização do multitasking. Sabendo que é impossível que um usuário utilize apenas uma ferramenta neste meio, o discurso de ser "multitarefa" é vendido para que os usuários tentem destinar o mesmo tempo para diversas plataformas: Facebook, Google, YouTube, e-mail, enfim. Vale aqui a máxima "se não pode vencê-los, junte-se a eles". 

A intenção como forma de contrabalancear o controle

Porém, da mesma forma que não há como simplesmente ficar totalmente offline, é possível utilizar-se de mecanismos para tentar driblar este controle e vigilância excessivos. Se você utilizar estes meios já sabendo a intenção deles pode, a partir disto, fazer uso da sua atenção fragmentada de forma consciente. 

Exercícios de concentração e controle da atenção, tal como Rheingold mostra em seu livro podem ser boas estratégias para não ser seduzido facilmente por estes mecanismos, podendo ter o direito de "se libertar" delas quando desejar. Além disto, é possível "passar a perna" nestes mecanismos de vigilância. O uso consciente e intencional das redes sociais evitando a exposição em ações diretas e indiretas, o uso de criptografia em mensagens de e-mail e o uso de navegação anônima pode não evitar que estas ferramentas continuem apelando para quererem sua atenção, mas é uma forma de "sabotá-las", por assim dizer, demonstrando que não está tão suscetível assim a estes mecanismos.

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