A atenção e a falta dela foram
problematizadas desde que o capitalismo passou a ditar a
especialização como modo de acesso à vida urbana e aos meios de
produção. Esse é o argumento de Jonathan Crary, historiador da arte e
autor de Suspensões da Percepção, que propôs uma reflexão
sobre a temática "atenção" segundo a
escola foucaultiana. Desse modo, treinar o foco perceptivo do
indivíduo, entre outras coisas, estaria relacionado ao controle e à
disciplina, requisitos fundamentais para o aprendizado aos moldes liberais: letramento, raciocínio lógico e empreendedorismo.
Crary critica o senso comum de que a fragmentação da atenção e a descentralização do sujeito são fenômenos contemporâneos à disseminação das tecnologias de informação e comunicação. Para o autor, o conceito de atenção está intimamente ligado ao de percepção, sendo esse constantemente alterado pela história dos meios. Quando a representação da imagem passou a desafiar a ideia de um estado natural das coisas (a percepção passa a ser o resultado de uma fisiologia específica, o que faz dela variável e duracional), a didática do positivismo dá lugar à valoração da subjetividade.
Subjetividade essa que apenas se
intensificou com o preceito fundamental (se é que podemos
considerá-lo assim) da pós-modernidade, o antifundamentalismo. Se a
percepção sobre as possibilidades do mundo e do homem alteram os
meios, os quais, por sua vez, modificam radicalmente o comportamento
humano em todos os aspectos da vida social, como conciliar a rigidez
do sistema econômico e a falibilidade da política com a consciência
cada vez mais dilatada dos cidadãos?
É no rastro reflexivo de Crary que se
acrescenta o didaticismo de outro autor, preocupado com o
multidirecionamento da atenção dos indivíduos. Howard Rheingold,
em seu livro: Net Smart: how to thrive online, analisa o comportamento humano frente ao desafio de ter
uma participação ativa e consciente (o autor utiliza o termo
"mindful") enquanto conectados. Sem cair na historicidade da percepção, Rheingold centra seu estilo no praticismo. Net Smart pode ser lido como um manual, um guia para o exercício da cidadania digital e sucesso no equilíbrio entre foco e dispersão.
Ao enfatizar que a atenção pode ser treinada, Rheingold assume uma postura de indiferença quanto às críticas ao sistema, nas quais se baseia a obra de Cary. Como o primeiro narra, a própria experiência de professor de alunos conectados o tempo todo lhe causou uma inquietação. Estariam aquelas pessoas menos presentes, ou presentes de maneira diferente, em vários lugares ao mesmo tempo? Talvez essa seja a pergunta que vale a pena ser investigada, mas Rheingold se concentra na explanação de técnicas de adequação do comportamento multitarefa aos padrões escolares, sociais e profissionais. Já Crary visiona a relação dos seres com suas tecnologias da seguinte maneira: "será uma colcha de retalhos de efeitos flutantes em que indivíduos e grupos continuamente reconstituem a si mesmos" (tradução livre da citação, p. 370).
No entanto, é compreensível a estratégia de Rheingold frente ao discurso científico. Esse, até onde foram as investigações de Net Smart, identifica o cérebro humano como um processador de um único núcleo, ou seja, segundo essa metáfora, estaríamos preparados para desenvolver bem apenas uma tarefa de cada vez. Sob esse mesmo preceito está a escola que preza pelo aprendizado subdividido em disciplinas, com pouco diálogo entre elas, continuando a se distanciar da percepção da "geração Y" sobre o mundo, onde tudo se conecta com tudo. Por mais que as pesquisas possam realmente revelar uma delimitação biológica, deixa-se de lado uma questão fundamental: a diacronia dos regimes formais em relação às possibilidades reais e presentes de aquisição de conhecimento e de formas de relacionamento, seja com o outro ou com o próprio corpo.
Avançando nas discussões sobre o tema, cabe elaborar, a partir do ponto de vista dos dois autores, uma terceira via de raciocínio. Em Suspensões da Percepção, Crary lamenta a descontinuidade do interesse geral por pesquisas com hipnose, que no século XIX revelaram a impressionante capacidade da mente de suspenção temporal e espacial, ao mesmo tempo do exercício de profunda concentração. Em prol de um reavivamento empírico, e por hora este parece um questionamento interessante, por mais que as presentes pesquisas sejam mais ou menos categóricas em limitar a capacidade do cérebro de adaptação aos nossos hábitos cada vez mais simultâneos e fugazes, o que dizer da fisiologia daqueles que já nasceram em ambientes altamente interativos? Estarão esses melhor preparados para lidar com múltiplas demandas de atenção ao mesmo tempo, sem com isso sofrer prejuízo cognitivo em cada uma delas?
É de se imaginar que, se uma pessoa como eu for submetida a um teste sobre o quão bem ela se sai diante de múltiplas tarefas, é provável que se saia mal, pois durante a maior parte da vida terá sido acostumada a trabalhar bem apenas com o foco unidirecional, pois esse foi o modo de alfabetização nas décadas de 1980 e 1990. Não só na escola, mas nas famílias onde, citando apenas um exemplo, o costume de não ligar a TV durante as refeições também revelava a preocupação com uma certa presença "espiritual" centrada em um só momento.
Cenas do filme The Switch (2010), em que o personagem Wally (Jason Bateman) se irrata com o zapping de Sebastian (Thomas Robinson) |
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